segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Feliz Ano Velho



Feliz Ano Velho é um romance testemunho, narrado em primeira pessoa por Marcelo, narrador-personagem dessa história. É um romance sobre o passado, pois relata sua juventude e como tudo mudou a partir do momento em que ele sofre um acidente ao pular de um lago raso e fraturar a coluna na queda. Por conta do acidente, Marcelo fica paralisado do pescoço para baixo. Por meio desse testemunho de tudo o que passou no hospital durante os meses em que ficou internado, tomamos conhecimento de seu sofrimento e de sua luta para recuperar pelo menos uma parte dos movimentos.

Marcelo passa por uma cirurgia e, após alguns meses no hospital em tratamento, consegue recuperar o movimento dos braços, mas permanece paraplégico. Durante o período em que está no hospital fazendo fisioterapia e angustiado diante da possibilidade de nunca mais ter os movimentos e a sua vida de volta, ele relembra a sua infância, quando o pai, o deputado Rubens Paiva, é sequestrado e morto pelos militares na ditadura militar brasileira, assim como outros momentos que marcaram sua juventude: o convívio com os amigos na época da universidade, sua relação com a música e com as mulheres. Contudo, a ditadura militar não é o tema central desse romance, uma vez que o tema só aparece em determinado momento da narrativa quando Marcelo relembra o dia em que o pai foi levado pelos militares, descrevendo o medo que sentiu e o sofrimento de sua mãe, que continuou por muito tempo a procurá-lo. Ainda assim, é um testemunho importante do que de fato ocorreu com tantas pessoas durante a ditadura militar em nosso país e as marcas que ficaram para sempre nessas famílias.

Mas Feliz Ano Velho fala de Marcelo. Do que ele sentia, do que ele se lembrava enquanto estava no hospital, dos muitos amigos que estiveram ao seu lado durante esse período de recuperação, enfim, é um exemplo dessa escrita de si. O livro é um testemunho interessante e importante em nossa literatura por trazer uma realidade pouco discutida pela maioria das obras que é a questão da deficiência. Para comprovar isso basta tentar lembrar: quantos personagens com alguma deficiência física você lembra de já ter lido?

Entre lembranças de sua juventude na universidade, dos seus relacionamentos com as garotas, e outras lembranças de sua vida às quais ele recorre como que para fugir da situação de paralisa em que se encontrava no hospital e que exigia muita paciência, aos poucos, Marcelo toma consciência de que não voltará ao que era no passado e que é preciso seguir em frente. O processo de negação inicial dá lugar a um Marcelo consciente de que está paraplégico e que terá que reconquistar sua independência em cada pequena ação do dia a dia, sem deixar de notar as dificuldades e o preconceito que as pessoas com alguma deficiência física enfrentam nas cidades brasileiras, onde a acessibilidade ainda hoje, 30 anos depois da publicação do romance, não é ideal. É nesse momento que o foco do romance parece mudar um pouco, demonstrando o amadurecimento do personagem ao descobrir sua força para lidar com essa nova situação, reencontrando na escrita uma forma de tratar do assunto, compartilhar experiências e também de trabalho. Nesse sentido, o livro traz informações importantes sobre a dificuldade de adaptação que pessoas como Marcelo tiverem que enfrentar, mas mostrando, de forma positiva, que é possível viver bem e superar as dificuldades.

*Resenha publicada originalmente no blog Pipa não sabe voar.

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